sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor ... não cante
O humano coração com mais verdade ...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmenteDe um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Vinícius de Moraes
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Apontando armas ao ego.
Gosto de você por fazer da noite, dia.
Das árvores, florestas.
Dos lares, vilas inteiras.
Gosto quando me olha, gosto mais quando me tocas.
Gosto de você por motivos vários,
Mas gosto ainda mais do seu combustível falho.
Essa sua mania de querer tão-somente a mim, agonia.
Mas sabes o quanto é válido.
Sou de muitas, bobas, brancas, negras, pardas.
E você?
Preferes ser um ser projetado no outro?
Como isso é falho...
Não sei por quê?
Porque a dor não tem carta de aviso prévio,
O amor não vem com tarja preto ou dizendo se é genérico,
As contas vencem do teu cartão de crédito,
Você conjuga o verbo amar no futuro e no pretérito,
Quem te disse que o verbo é invariável com o meio-termo presente? Boba! Tola!
E eu? Descrente.
É?
Então deixa eu te dizer o que não sentis.
Carta já tem aos montes, não preciso de mais.
Genérico ou tarja preta... Ah!Tanto faz...
As fórmulas nunca são as mesmas...
Conjugação é com você...
Não lembro mais nem o que são radicais.
Autora: Cecília Tavares.
segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Dentro de mim há pensamentos demais,
o que torna tudo meio apertado,
mas tenho tentado dar uma arrumada nessas idéias para que cada uma fique na sua gaveta.
Há também sentimentos demais,
mas de forma alguma vou expulsá-los,
deixo que circulem à vontade pelo meu corpo.
Dentro de mim as estações são bem definidas: verão é verão, inverno é inverno.
Toca música aqui dentro o tempo todo, e há uma satisfação secreta que precisa se manter secreta para não passar por boba.
Há crianças e adultos dentro de mim, todos da mesma idade.
Aqui dentro existe uma praia e uma montanha coladas uma na outra, parece até o Rio de Janeiro, só que os tiroteios são raros.
O último bangue-bangue emocional que metralhou minha alma já faz algum tempo.
Dentro de mim estão muitas lágrimas que não foram choradas pra fora e muitos sorrisos que, de tão íntimos, também guardei.
Dentro de mim, às vezes, são produzidas algumas cenas sofisticadas e roteiros de filme B.
Como não gostar de viver aqui dentro?
domingo, 6 de setembro de 2009

Os Três Mal-Amados
O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas.
O amor comeu metros e metros de gravatas.
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus.
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas.
Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X.
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.
O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa as citações em verso.
Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete.
Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas.
O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas.
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

